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“O Brasil e o Mercosul entraram em nova etapa, de efetiva abertura e integração na economia global”, diz secretário-geral do Itamaraty

O gaúcho Otávio Brandelli considera o acordo com a União Europeia positivo para o consumidor e para a economia
 
Avesso a entrevistas, o diplomata Otávio Brandelli, nascido em Garibaldi, tem conduzido de forma discreta a construção da nova política externa brasileira. Ao tomar posse para o cargo de secretário-geral do Itamaraty, Brandelli recebeu do amigo de longa data e chanceler Ernesto Araújo um título informal que define bem o desafio no ministério das Relações Exteriores: “Se o presidente é o arquiteto, o ministro é o engenheiro e o secretário o mestre de obras da política externa”. Brandelli concordou em responder a perguntas enviadas por e-mail para explicar como tem feito esse trabalho de construção. A entrevista foi concedida um dia antes de o presidente Jair Bolsonaro afirmar que pensa em indicar o filho Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador nos Estados Unidos.
Quais são os benefícios do acordo Mercosul-União Europeia (UE)?
Quando o acordo entrar em vigor, 92% das exportações do Mercosul para a UE terão suas tarifas de importação eliminadas em prazo máximo de 10 anos, melhorando a competitividade no mercado europeu. Se contabilizarmos outras formas de  acesso a UE, como quotas, os benefícios alcançarão 99% do comércio. Os compromissos assumidos em áreas como serviços, compras governamentais e barreiras sanitárias tornarão o comércio menos vulnerável à aplicação de restrições injustificadas e darão maior transparência e segurança jurídica aos investimentos. No mercado dos países do Mercosul haverá concorrência com os produtos europeus. Isso é bom para o consumidor e salutar para a economia. A conclusão das negociações com a UE, segunda maior economia do mundo, que sozinha responde por 22% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial, significa também uma mudança de paradigma. É um sinal ao mundo de que o Brasil e o Mercosul entraram em nova etapa, de efetiva abertura e integração na economia global. A negociação de acordos econômico-comerciais faz parte de uma política mais ampla, que não se limita ao acordo Mercosul-UE. Há outros processos em andamento, que tendem a ganhar maior dinamismo a partir de agora, como as negociações do Mercosul com o Canadá e com o EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre), bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. Outro resultado recente na área internacional foi a adesão do Brasil, há poucos dias, ao Protocolo de Madri sobre o Registro Internacional de Marcas, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Com esse acordo, os brasileiros poderão registrar suas marcas em 120 países, mediante procedimento centralizado e simplificado, com menores custos e menos burocracia. 
O tema do acordo vem sendo tratado desde 1999. O que foi determinante agora?
Diversos órgãos de governo trabalharam por esse acordo e contribuíram para o êxito das tratativas. Os fatores determinantes, nesta etapa final, foram o impulso político do governo Bolsonaro, o pragmatismo não ideológico e a confluência de visões com os demais sócios do Mercosul. O Mercosul foi criado em 1991 sobre dois pilares: democracia e liberalização comercial. Esses valores foram retomados e fortalecidos, criando um vetor favorável à conclusão da negociação com a UE. Soubemos aproveitar uma janela de oportunidade. Os parceiros do Mercosul e da UE reconhecem que o governo brasileiro eleito em 2018 trouxe uma energia positiva e decisiva para a fase final das negociações.
O fato de a França ter sinalizado que agora terá dificuldades para ratificar o acordo pode impor alguma dificuldade?
É muito cedo para especular sobre dificuldades de ratificação do acordo que acaba de ser concluído. Todos os países que estiveram engajados em sua negociação, ao longo de 20 anos, fizeram concessões, mas também tiveram suas demandas atendidas de alguma forma. Para citar apenas alguns exemplos, a França terá condições preferenciais de acesso aos mercados de vinhos e de automóveis do Mercosul, por força do tratado. Em outras palavras, o acordo Mercosul-UE é abrangente e dá tratamento às principais questões do comércio entre os dois blocos, que vão muito além de eventuais preocupações pontuais. No equilíbrio geral, não há dúvidas de que o acordo é positivo para todas as partes.
Qual é o potencial de aumento do saldo da balança comercial para o Brasil?
Há estimativas do Ministério da Economia de que as exportações brasileiras para a UE poderão ter ganhos de cerca de US$ 100 bilhões até 2035. Isso seria o resultado da redução de tarifas para nossos produtos e das regras acordadas para disciplinar e facilitar o comércio entre os dois blocos. Também se abrirão oportunidades no setor de serviços e no mercado de licitações, as chamadas compras governamentais.
Quais são os riscos sobre a situação da Venezuela?
É temerário fazer previsões sobre uma situação tão complexa. É sempre bom lembrar que a Venezuela foi suspensa do Mercosul em 2016, por descumprimento de seus compromissos de adesão ao bloco, e em 2017, por ruptura da ordem democrática, quando houve o fechamento da Assembleia Nacional. Desde 2013, o PIB da Venezuela encolheu 52% segundo números do próprio Banco Central venezuelano. A inflação foi de 1,3 milhão por cento em 2018. A produção de petróleo, principal motor da economia venezuelana, caiu de 3,27 milhões de barris por dia em 2006 para 750 mil barris por dia em maio de 2019.  A dimensão do êxodo venezuelano, estimado em cerca de 4 milhões de pessoas, mais de 10% da população do país, mostra a profundidade da crise humanitária. A esses números se soma a crise política iniciada em janeiro último, com o novo mandato presidencial que o Brasil e outras democracias relevantes consideram ilegítimo. A crise econômica, humanitária e política no país vizinho obviamente se faz sentir nos países da região. O Brasil é solidário com o povo venezuelano, e a Operação Acolhida, no Estado de Roraima, é exemplar.
Quais são os desafios para a política externa brasileira?
Já estamos obtendo resultados no cumprimento das principais diretrizes de política externa, que reflete as expectativas que a sociedade brasileira depositou nas urnas em 2018. Por exemplo, concluímos o acordo com a União Europeia; saímos da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e fundamos o Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), alicerçado em valores democráticos na política e liberais na economia; tornamos o Mercosul mais ágil e efetivo; elevamos o perfil do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio); aderimos ao registro internacional de marcas da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual); obtivemos apoio dos Estados Unidos à entrada do Brasil na OCDE, indispensável para a adesão a essa organização; realizamos encontro da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível – Cosban, redefinindo nossas prioridades na relação com a China em torno de interesses concretos. A Cosban não se reunia desde 2015. Desde janeiro de 2019, conduzimos a presidência do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e promovemos prioritariamente os temas de ciência, tecnologia e inovação; economia digital; interação entre o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o setor privado; e o combate ao crime transnacional. Neste segundo semestre, o Brasil exercerá também a presidência do Mercosul. O Brasil sediará as reuniões de cúpula do Brics, em novembro, e do Mercosul, em dezembro.
O que o Brasil pode ganhar com essa aproximação mais efetiva com o governo americano (Trump/Bolsonaro)?
O Brasil já está ganhando. Basta olhar os resultados da visita do presidente Bolsonaro aos Estados Unidos. Concluímos o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permitirá ao país participar do bilionário mercado internacional de lançamento de satélites. Obtivemos também apoio norte-americano para nosso ingresso na OCDE, um passo fundamental para incorporar melhores práticas e garantir eficiência e transparência de nossas políticas públicas. Na área de defesa, o status de aliado preferencial extra-Otan concedido ao Brasil abre novas possibilidades de cooperação, inclusive facilitando acesso a tecnologia, criando oportunidades para nossa indústria de defesa. Os Estados Unidos são o principal destino de nossos produtos manufaturados e o primeiro investidor estrangeiro no Brasil. Não fazia sentido relegar a relação com os Estados Unidos a um segundo plano, como aconteceu no passado.
 
Fonte: Zero Hora

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