Porto Alegre, 31 de julho de 2025 Ano 19 - N° 4.448
Sem medidas mágicas
Terceiro maior produtor mundial de leite, com estimativa de captação de 37 bilhões de litros neste ano, o Brasil reúne condições para se tornar um grande exportador, segundo especialistas. Essa perspectiva tem mobilizado alguns dos maiores players desse mercado nos últimos anos, em um movimento que envolve principalmente qualificação dos produtores e melhoria da qualidade e da produtividade média dos rebanhos, hoje de 2.280 litros por vaca/ano, baixa em relação à média global, de 2.660 litros, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Por enquanto, o país está longe da meta de vender ao exterior e ainda importa leite. No ano passado, foram 6,348 milhões de litros/dia, de acordo com o Centro de Inteligência do Leite (CILeite), da Embrapa, vindos principalmente da Argentina e do Uruguai, que têm produção mais eficiente, preços mais baixos e ainda são isentos de tarifa por integrarem o Mercosul. As exportações foram de apenas 179 mil litros/dia, dada a falta de competitividade do país no mercado externo. Após forte alta dos preços, o litro pago ao produtor chegou, em média, a R$ 3,19 em julho de 2022, recuando para R$ 2,77 em julho de 2023 com aumento das importações, conforme dados do CILeite. Neste ano, a média tem oscilado em torno de R$ 2,70.
Embora esteja em queda, o preço ao produtor no Brasil é, segundo Guilherme Portella, diretor de ESG da Lactalis, o quinto mais alto do mundo. “É preciso melhorar a produtividade, de modo que o preço baixe e, ainda assim, remunere bem o produtor”, diz Portella. Uma das companhias que primeiro enxergaram o potencial leiteiro do Brasil, a francesa Lactalis projeta transformar o país em um hub de exportação de lácteos. A empresa consolidou sua presença no Brasil há cerca de dez anos, ao comprar os ativos de laticínios da BRF, que incluíram as marcas Batavo e Elegê e, em seguida, a fábrica e a marca Itambé, da mineira Cooperativa Central de Produtores Rurais (CCPR), a maior cooperativa de captação de leite do Brasil. Hoje, a Lactalis é líder em captação, com 2,7 bilhões de litros em 2024, quando faturou R$ 17 bilhões.
A companhia adquiriu nos últimos anos várias outras marcas, algumas da suíça Nestlé, e 21 plantas fabris, instaladas em oito Estados, que produzem de compostos lácteos, leite UHT e requeijão a queijos especiais, que já exporta para vários países da América Latina e Estados Unidos. A meta agora é dobrar as vendas em cinco anos, apostando que o setor leiteiro passará por movimento semelhante ao que consolidou o Brasil como grande exportador de aves e suínos nas últimas décadas. Um dos pilares daquele movimento foi a organização de pequenos e médios produtores em cooperativas, que também vem caracterizando a cadeia produtiva do leite. Entre os maiores fornecedores da Lactalis, a CCPR vende exclusivamente para a companhia os cerca de 90 milhões de litros/mês que consegue captar, segundo a empresa.
Após a venda da Itambé, há oito anos, a CCPR concentrou-se em captação, além de nutrição animal, em suas cinco fábricas em Minas Gerais, que produzem cerca de 300 mil toneladas por ano. Neste ano, a companhia desenvolve um projeto de originação de grãos para integração lavoura-pecuária, com apoio da Embrapa e do governo do Estado de Minas Gerais.
O projeto deve ser iniciado ainda neste ano e se consolidar em cerca de dez anos, na expectativa de Marcelo Candiotto, presidente da CCPR. Ao verticalizar a produção, a tendência, ele diz, é garantir empregabilidade, recuperar terras degradadas, ser mais sustentável e reduzir custos. Já a Cooperativa Central Aurora Alimentos, a Aurora Coop, terceiro maior grupo agroindustrial de proteína animal do Brasil, começou a operar com lácteos em 2004, por meio de cooperativas que produziam leite já nos anos 1980. Neste ano, adquiriu a Gran Mestri, ingressando no segmento de queijos especiais. Do faturamento da Aurora Coop, de R$ 24,9 bilhões em 2024 (36,4% no mercado externo), 12% referem-se a lácteos.
A Aurora Coop compra a maior parte do leite (80%) de produtores do oeste de Santa Catarina, onde estão localizadas 70% das três mil cooperativas associadas ao sistema, com captação de aproximadamente 450 milhões de litros de leite/ano, segundo Selvino Giesel, gerente de captação da companhia. Ele conta que aqueles produtores vendiam no mercado spot pelo preço mais baixo de todo o país até serem integrados à Aurora Coop, que passou a comprar toda a produção das cooperativas singulares e dos demais associados. O resultado, relata, foi a melhoria da qualidade do leite e dos preços pagos ao produtor. Como diz Geraldo Borges, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), não há medidas mágicas e isoladas para melhorar a competitividade da cadeia do leite: “É um processo lento, inclusive pela heterogeneidade dos produtores e dos laticínios/cooperativas. Mas estamos avançando, com melhores tecnologias, eficiência, escala de produção e qualidade”. (Valor Econômico)
SC fortalece leite local com nova política fiscal
Para assegurar a competitividade da cadeia produtiva do leite em Santa Catarina, o governador Jorginho Mello decidiu prorrogar por mais 12 meses a suspensão dos incentivos fiscais voltados à importação de leite e derivados. A medida entrou em vigor em julho do ano passado, junto de outras ações do Programa Leite Bom, e foi renovada por decreto nesta quarta-feira, 30.
Com a prorrogação até 31 de julho de 2026, as importações desses produtos continuarão sujeitas ao pagamento integral do ICMS, com alíquotas que variam de 7% a 17%, dependendo da mercadoria. Antes da suspensão, o benefício fiscal fazia com que a carga tributária média sobre essas operações fosse de apenas 1,4%, o que favorecia a entrada de produtos estrangeiros a preços mais baixos.
"Quem trabalha no campo merece respeito e apoio do governo. A gente sabe o quanto é difícil acordar cedo, enfrentar sol, chuva e ainda competir com o produto que vem de fora. Essa medida é pra proteger o nosso leite e garantir que o esforço dos nossos produtores tenha valor e mercado justo aqui em Santa Catarina", destacou o governador Jorginho Mello.
A decisão adotada pelo Governo de Santa Catarina corrigiu um desequilíbrio de mercado que vinha prejudicando os produtores catarinenses, especialmente diante da concorrência de países como Argentina e Uruguai, onde a produção é fortemente subsidiada. Um dos casos mais críticos era o leite em pó integral: a importação em Santa Catarina cresceu 249% nos dois anos que antecederam o decreto estadual.
Reflexos positivos na indústria catarinense
A suspensão dos incentivos voltados à importação de leite e derivados teve reflexos positivos para a indústria catarinense. Indicadores monitorados pela Secretaria de Estado da Fazenda (SEF/SC) mostram que o volume de importações de leite e derivados caiu quase 75% no primeiro semestre deste ano comparado ao mesmo período do ano passado: baixou de R$ 512,5 milhões para R$ 135,2 milhões.
Já a produção catarinense teve um salto de 26% no mesmo período, subindo de R$ 5,4 bilhões no primeiro semestre de 2024 para R$ 6,8 bilhões nos primeiros seis meses deste ano.
"Os números confirmam que a suspensão dos incentivos fiscais para a importação surtiu efeito: reduzimos expressivamente a entrada de leite importado e, ao mesmo tempo, impulsionamos a produção local. Essa é uma resposta concreta a um pleito antigo dos produtores de leite catarinenses, que vinham enfrentando dificuldades para competir com o excesso de subsídios governamentais concedidos pelos países exportadores", analisa o secretário Cleverson Siewert (Fazenda).
Incentivo ao produtor local
Além de frear a entrada de produtos lácteos importados, que geravam um cenário de concorrência desleal com a produção catarinense, o Governo do Estado também garantiu uma série de incentivos fiscais à agroindústria leiteira de Santa Catarina por meio do Programa Leite Bom.
A partir de um projeto aprovado na Assembleia Legislativa (Alesc) em agosto do ano passado, a indústria catarinense passou a contar com benefícios similares aos praticados no Paraná e no Rio Grande do Sul, aumentando o equilíbrio competitivo entre os Estados.
A garantia de crédito presumido para leite UHT, queijos e derivados do leite tem impacto financeiro escalonado de R$ 150 milhões em três anos: R$ 75 milhões (ano 1); R$ 50 milhões (ano 2) e R$ 25 milhões (ano 3). São mais de 100 empresas beneficiadas, que empregam cerca de 7,3 mil funcionários.
A indústria do leite é a 3º maior cadeia produtiva de SC, tem cerca de 80 mil produtores e faz do Estado o 4º maior produtor de leite do Brasil (atrás apenas de MG, PR e RS), com 3,2 bilhões de litros/ano.
“O Programa Leite Bom SC está fortalecendo toda a cadeia produtiva do leite. É mais uma demonstração concreta do compromisso do nosso Estado com a bovinocultura leiteira. Somos o quarto maior produtor de leite do país, e com esses investimentos criamos condições para que o produtor possa investir na propriedade, aumentar sua renda e continuar no campo. Ao mesmo tempo, estimulamos o crescimento e a competitividade da indústria leiteira”, destaca o secretário de Estado da Agricultura e Pecuária, Carlos Chiodini. (As informações são da Secretaria de Estado da Fazenda)
Rabobank alerta: preço do leite deve cair com consumo fraco
O preço do leite no Brasil deve sofrer nova retração no terceiro trimestre de 2025, segundo análise do Rabobank, que projeta um cenário de pressão para o setor diante da combinação de alta na oferta e consumo interno estagnado.
A perspectiva é de um mercado mais competitivo e menos rentável para o produtor, mesmo com margens operacionais ainda positivas.
A captação industrial de leite subiu 4,5% no primeiro trimestre do ano, resultado direto de boas margens no campo.
Em maio, o indicador “receita menos custo de alimentação por vaca” chegou a R$ 37, valor acima dos R$ 34 registrados em maio de 2024.
Essa melhora é atribuída à queda nos custos de ração — impulsionada pela ampla oferta de grãos — e aos preços ainda elevados pagos ao produtor na primeira metade do ano.
No entanto, a demanda interna segue desaquecida. Embora o desemprego esteja em baixa, a renda real desacelerou em 2025, limitando o crescimento do consumo de lácteos no varejo. Com isso, o banco projeta uma leve queda nos preços pagos ao produtor, revertendo a tendência de alta observada nos trimestres anteriores.
Oferta global em expansão e importações pressionam ainda mais
No mercado internacional, a produção de leite cresce nos principais polos exportadores — Europa, Estados Unidos e América do Sul — com expectativa de avanço de 1,4% no volume produzido neste trimestre. Trata-se da maior expansão desde 2021.
Paralelamente, o consumo global permanece enfraquecido diante de juros altos e instabilidades econômicas e geopolíticas, o que limita o fôlego das commodities lácteas.
Outro fator de pressão vem do câmbio. A valorização do real frente ao dólar tem facilitado as importações.
Entre janeiro e maio de 2025, o Brasil aumentou as compras externas de lácteos em 1% em volume e 9% em valor, tendência que deve se intensificar com a queda dos preços internacionais, prejudicando a competitividade do produto nacional — especialmente no caso das exportações.
Gestão de custos será crucial
Com margens mais apertadas no horizonte, o Rabobank recomenda que os produtores redobrem a atenção com a gestão dos custos.
A eficiência no uso dos insumos, a qualidade da alimentação e o controle de produtividade do rebanho serão cruciais para manter a viabilidade do negócio.
Embora o setor tenha se beneficiado recentemente de uma combinação favorável entre preços e custos, o cenário aponta para um ajuste de mercado que exigirá estratégias mais rigorosas por parte dos produtores e da indústria. (Adaptado para eDairyNews, com informações de Feed&Food)
Jogo Rápido
Webinar apresenta projeto de monitoramento de microrganismos resistentes e resíduos de antimicrobianos em alimentos
Na próxima segunda-feira (4/8), às 15h, a Anvisa irá realizar um webinar para apresentar o projeto-piloto do Programa Nacional de Monitoramento de Microrganismos Resistentes e Resíduos de Antimicrobianos em Alimentos. O encontro virtual tem como objetivo promover alinhamento técnico-operacional entre os participantes e fortalecer a articulação entre a Anvisa, os Laboratórios Oficiais de Saúde Pública e as Vigilâncias Sanitárias estaduais e municipais. Para participar do webinar, basta CLICAR AQUI, no dia e horário agendados. Não é preciso fazer cadastro prévio. (Fonte: Anvisa)